Esta semana estivemos à conversa com a Ágata Mandillo, a italiana de 3ª geração que está por detrás da pizzaria biológica ‘In Bocca al Lupo’ em Lisboa.
Ágata, antes de mais, obrigada por estar aqui connosco. Vamos começar com dez perguntas rápidas para aquecer e depois seguimos para as de desenvolvimento.
Pizza ou Pasta? Pizza
Massa alta ou massa fina? Massa Fina
Prefere comer Pizza à mão ou com talheres? À mão
Preferia relaxar nas praias de Sardenha ou explorar a famosa galeria Uffici em Florença? Explorar a Galeria Uffici em Firenze
Um bom livro ou Netflix? Um bom livro
Jantar em casa — à mesa ou no sofá? À mesa
Bacalhau à Gomes de Sá ou Amêijoas à Bulhão à Bulhão Pato? Amêijoas à Bulhão Pato
Vinho ou Cerveja? Vinho
Lisboa ou Porto? Lisboa
Tiramisu ou Gelado? Tiramisu
Ágata, qual é o seu prato preferido?
O meu prato preferido é Ravioli recheado com ricotta e spinacchi, com molho de manteiga e sálvia.. Com um pouco de parmesão em cima. (*Risos*)
O que é que a faz gostar tanto de comida sem ser o facto de satisfazer o apetite?
A comida é uma expressão da cultura que apela a todos os sentidos.. E para além disso é uma forma de partilhar, de nos nutrirmos não é? É uma forma de nos relacionarmos com as pessoas, com o mundo, connosco próprios. É uma questão de sobrevivência mas é muito mais do que isso.
E depois porque acho que a comida, de uma forma geral, é o passado mas também é o futuro. Se solucionarmos as problemáticas da alimentação e da produção de comida provavelmente iremos conseguir solucionar uma das maiores problemáticas do mundo e da atualidade.
Porquê Pizza e não Bacalhau?
Porque eu sou descendente de italianos. (*Risos*)
A minha bisavó, quando veio de Itália no final dos anos 40, abriu o primeiro restaurante italiano em Lisboa. Portanto apesar de eu ser uma italiana de 3ª geração, nós temos uma relação com a cultura familiar e gastronómica.. O lado italiano na minha família é muito forte nomeadamente nessa parte gastronómica e na parte de cozinhar em conjunto, de grandes almoçaradas, de fazer massa fresca e de estar de volta da cozinha. Por isso não é que não goste da cozinha portuguesa, mas de facto a gastronomia italiana é uma coisa que me fascina em todos os sentidos e faz parte de mim e da minha história, a nível familiar e pessoal.
Quando e como é que começou este projeto?
Nós tínhamos uma espécie de sonho de família de voltar à restauração. Todos nós vimos de outras áreas — eu vim de antropologia e trabalhei na área da educação, os meus pais são músicos, o meu irmão trabalha na área de cinema — mas tínhamos este sonho de abrirmos um restaurante. Portanto há sete anos decidimos arregaçar as mangas e cometer esta loucura.
O próprio nome ‘In Bocca al Lupo’, é um voto de boa sorte.. Um voto de boa sorte para nós próprios, na aventura de abrirmos o restaurante e também porque era uma expressão que a minha bisavó dizia muito. In Bocca al Lupo significa literalmente ‘atira-te ao lobo’, por isso num ato de coragem e de aventura foi isso que fizemos (atiramo-nos ao lobo).
Tem sido um processo de grande aprendizagem mas no fundo de concretização deste sonho de família. Desde há quase 3 anos e meio ou seja metade deste caminho eu tenho-o feito sozinha devido a motivos diferentes.. familiares, de saúde.. O meu irmão e a minha mão afastaram-se e eu continuei. Isto foi uma crise no projeto, ou eu continuava sozinha ou o restaurante não continuava, pelo que decidi continuar. Mas não estou sozinha, estou rodeada por uma equipa extraordinária de pessoas com as quais trabalho com algumas delas há 5/6 anos. Portanto fomos construído uma família, com as quais partilho as alegrias mas também as ansiedades. A própria gestão que faço, faço de uma forma muito aberta.. é uma construção diária deste projeto.
Uma mulher de garra..
Sim, sim.. mais 4 filhas. Costumo dizer que a pizzaria é o meu 5º filho, mas é um filho de que gosto muito. (*Risos*)
Tem me ensinado muito, tem sido um processo de concretização e de tornar real um sonho. Mas ao mesmo tempo, depois trazido à pratica tem muito que se lhe diga, tem muito trabalho tem muito esforço, muitas desilusões. Eu sou uma pessoa muito calma e positiva o que me fez conseguir crescer enquanto pessoa neste caminho, enquanto projeto, como líder de equipa.
Como têm lidado com a situação da pandemia?
Este último ano com o Covid-19 acentuou-se ainda mais a dimensão de coletivo que tínhamos, não só com a equipa mas também com os produtores biológicos com os quais trabalhamos em proximidade. E claro, com a clientela habitual. Porque no fundo, ao longo destes anos tivemos muitos turistas mas temos sobrevivido em grande parte por termos um grupo de clientes habituais com os quais desenvolvemos uma relação.
Isto deveu-se às características do projeto, à qualidade dos produtos que oferecemos, ao cuidado como atendemos as pessoas, como tentamos oferecer um serviço que é personalizado. Mas também com o atender de pequenos pormenores porque uma pessoa quando vai jantar fora é uma experiencia, tem que ser boa comida mas também tem de ser uma boa experiencia.. Isso faz parte do sentir-se mimado. Portanto nós mimamos os nosso clientes um tanto quanto possível e criámos relações muito interessantes ao longo destes anos.
O facto de sermos uma pizzaria com takeaway tem-nos ajudado mas são estes clientes que encomendam religiosamente todas as semanas, por vezes 2/3 vezes que nos fazem manter vivos e a funcionar.. Apesar de em grandes dificuldades porque nestas circunstancias é inevitável com o restaurante fechado há 3 meses, e mesmo assim sem despedir ninguém.
Depois também criámos diversas outras estratégias de resiliência para o projeto: criámos uma mercearia com a nossa própria produção.. E temos agora uma horta comunitária para produzir os nossos próprios verdes num espaço cedido pela Câmara Municipal de Lisboa. Estes projetos no fundo adicionam resiliência porque criam outras pequenas fontes de rendimentos, de mais valias, de dinamização de equipa, para além de serem antidepressivas.. Ou seja, aqui foi a questão de uma pessoa tentar manter-se ativa e perceber o que é que pode fazer e como pode fazer. Não é de todo aquele discurso que havia aí há uns tempos com os artistas que é ‘reinventem-se’ porque há um limite para isso, e as pessoas não deveriam de ser obrigadas a isso. O que não quer dizer que não hajam coisas que as pessoas possam fazer, e nós aqui à nossa maneira foi isso que fizemos, pensámos em conjunto até perceber como nos podíamos dinamizar de forma a combater a sensação de desanimo e impotência que o Covid-19 trouxe.
Qual será o maior desafio para este ano?
Eu acho que o maior desafio para este ano será conseguir gerir-nos. Ou seja, gerir o nosso negócio com todas as limitações que vão continuar a existir e conseguir pagar as contas com isso. Há que ser muito prudente na gestão devido ao fator da imprevisibilidade.. Abrimos hoje mas não sabemos como vai correr. Não sabemos se em Setembro ou Outubro teremos de fechar outra vez. Não sabemos quando é que vamos ter fins-de-semana, se vamos ter fins-de-semana. Portanto eu penso que é necessário manter uma certa tranquilidade, um certo grau de aceitação.
Nesta segunda quarentena foi um pouco mais fácil mas o ano passado foi de uma ansiedade terrível porque foi tudo novo, sem saber como ia ser, sem haver nenhuma estrutura de apoio. É importante dizer que os apoios que estão a vir não são suficientes mas são alguma coisa. Felizmente nós sempre tivemos os papeis todos em ordem, toda a gente a contrato, tudo dentro da lei. O que nos permitiu beneficiar destes apoios.. porque nos momentos críticos de pagar os o IVA, a segurança social, etc., estes tem ajudado bastante.
E o ano passado não havia nada disso.. Apesar da conhecida volatilidade da restauração relativamente à quebra no Inverno, eu não tenho uma equipa sazonal. Para darmos condições de trabalho tenho a mesma equipa a contrato de verão e de inverno. O nosso projeto é sustentável mas devido à gestão que faço, porque com os salários que pago, com os produtos que ofereço e a dimensão do negócio a margem é muito pequenina.
Quais foram as maiores tendências ou alterações que viu na industria até agora?
Penso que a maior alteração foi os sistemas de delivery e takeaway. Com o Covid-19 ainda se acentuou mais essa mudança. Tenho que confessar que oferecemos alguma resistência a esta mudança.. O negócio cresceu em 2016, 2017, 2018 e depois estagnou um bocadinho. No inverno de 2018/2019 notamos que o movimento tinha mudado muito à custa das pessoas encomendarem comida para casa. Ou seja, aos fins-de-semana não se sentia diferença mas durante a semana o fluxo de pessoas a ir jantar fora baixou consideravelmente. Aí sentimos a necessidade de ter que aderir a essas plataformas.. mas resistimos pois achei um escândalo as taxas que eram cobradas aos estabelecimentos. Ao principio aderimos à Glovo mas, o ano passado com a situação da pandemia decidimos montar o nosso sistema de delivery. Sentimos que até foi melhor recebido pelas pessoas devido ao medo que estas tinham de ir alguém desconhecido entregar-lhes os pedidos. Mas como ter um sistema de delivery próprio é uma coisa complicada e envolve muita logística, ficamos contentes quando a eStart4/DeliverLX apareceu pois é uma plataforma que faz justiça às comissões escandalosas que outros sistemas andam a praticar.
Quais as tendências que acha que se vão manter depois do Covid-19?
O consumo das compras online, não só para a restauração mas a um nível geral. Estes hábitos de consumo já cresceram e hão de crescer ainda mais pois são muito práticos. Eu vejo pelo meu próprio comportamento, havia coisas às quais eu me deslocaria sempre até à loja para as adquirir mas agora faço tudo online porque é mais prático. Mantenho-me fiel às lojas em que sempre comprei as minhas coisas mas agora prefiro faze-lo a partir do meu computador.
Se calhar este grande salto no e-commerce que vimos agora iria demorar dez anos a materializar-se mas com a pandemia tudo se antecipou rapidamente.
Visto que é cliente da eStart4, o que é que gosta mais (da plataforma)?
O facto de não cobrarem comissões aos restaurantes é um fator muito importante, como já tinha referido.
E na experiência do serviço, o que gosto mais é a tentativa de ouvir os parceiros e de melhorar o produto.. Porque erros e falhas acontecem a todos e isso não é um problema, desde que haja no outro lado alguém que os tente solucionar. E o que eu tenho sentido desde o inicio é essa vontade de criar um produto que vá ao encontro das necessidades. Isso é muito simpático, penso que deveria de ser assim a base de todas as parcerias.. As coisas constroem-se, melhoram-se e isso é um processo. Por exemplo, a ubereats tem um interface muito bom mas depois não há qualquer ligação com ninguém. Não há o fator humano, é uma máquina, uma maquina que funciona bem. Mas qualquer coisa que saía de dentro dos parâmetros, já não funciona. Esse género de parcerias não me interessa, interessa-me uma parceria que se vá construindo, que haja pessoas do outro lado a fazerem o seu trabalho como eu estou do meu lado a fazer o meu para tentar que as coisas sejam melhores. Isso é o melhor da eStart4.
Olhando para o futuro, o que espera que a vida lhe traga em breve ?
Ui.. Eu vivo muito o presente.. Mas espero que a vida me continue a trazer oportunidades, que não me retire esta capacidade de andar sempre a congeminar coisas novas e que me proporcione tempo para partilhar, com a minha família, com a minha equipa.
Isto tem a ver com trabalho, ou seja, para mim o trabalho é vida e eu faço aquilo de que gosto. Mas o que eu gosto mesmo é do trabalho em equipa, e portanto espero continuar a ter oportunidade de fazer crescer projetos, mas que na verdade são pretextos para estar com pessoas. (*Risos*)
Tirando isso para mim o que importa é o caminho.. não tenho objetivos de abrir mais x restaurantes, ou a nível monetário, ou reconhecimento.. O objetivo é caminhar, fazer um caminho que valha a pena.
fim.